Drinques prontos sem álcool querem mudar o jeito do brasileiro brindar

Por muito tempo, a socialização adulta no Brasil teve um roteiro previsível: encontros com amigos significavam álcool, e quem optasse por não beber ficava relegado ao refrigerante açucarado ou à água com gás sem graça. Mas esse cenário está mudando rapidamente. Uma nova geração de bebidas prontas não alcoólicas está provando que é possível manter o ritual do brinde, a complexidade de sabores e a conexão social — sem os efeitos do álcool.

O movimento global de redução no consumo de álcool chegou ao Brasil com força. Segundo pesquisa Datafolha de 2024, 53% dos consumidores de bebidas alcoólicas afirmam ter diminuído o consumo no último ano. Mas a vontade de brindar permanece — e é aí que entra uma nova geração de bebidas que não quer ser confundida com “opção saudável” nem com “substituto do álcool”. São drinques em essência, mesmo sem álcool.

Quando o aperitivo vira protagonista

A paulistana LUCIA nasceu em agosto deste ano com a proposta de unir bem-estar e socialização. Criada pelas influenciadoras Bertha Jucá e Victória Linhares, a bebida usa plantas adaptógenas como artemísia, jambu e gengibre para criar o que chamam de “experiência sensorial funcional”. A fórmula, desenvolvida por José Luiz Soares (Do Pão ao Caviar) e pela mixologista Michelly Rossi, levou mais de 50 versões até chegar ao produto final.

O drinque LUCIA vem pronto numa garrafa que chama a atenção
O drinque LUCIA vem pronto numa garrafa que chama a atenção

“Eu nunca quis que ela fosse apenas um refresco ou algo doce demais. Desde o início queríamos um líquido que se comportasse como um aperitivo de verdade, com estrutura, complexidade e equilíbrio”, explica Victória ao Paladar. A bebida pronta trabalha com acidez, amargor, picância e especiarias para criar camadas de sabor que funcionam tanto sozinhas quanto acompanhando refeições.

O jambu, planta amazônica que provoca dormência no paladar, é um dos segredos para simular a “resistência” típica de bebidas alcoólicas. “Queríamos que desse vontade de tomar de novo, que fizesse sentido em ocasiões reais”, diz Victória.

A marca já captou R$ 4 milhões em investimentos e projeta faturamento de R$ 10 milhões em dois anos. Entre os sócios estão executivos com passagens por Ambev, Coca-Cola e LVMH.

O pioneiro que apostou no vinagre

Se LUCIA é a novata ambiciosa, a Kiro é a veterana convicta. Fundada em 2017, a marca pode ser considerada a primeira empresa brasileira a se posicionar como bebida não alcoólica voltada para adultos. “Em 2017 isso era um assunto que gerava muito estranhamento”, lembra Roberto Meirelles, fundador, ao Paladar.

Bebida pronta Kiro
Bebida pronta Kiro

A Kiro trabalha com o switchel, bebida milenar que usa vinagre de maçã como base. A escolha não foi por acaso. “A provocação que nos ficou foi sempre entender bebidas não alcoólicas que fossem essencialmente assim, que em sua natureza fossem não alcoólicas. E não pensar necessariamente sobre os primos sóbrios das bebidas alcoólicas”, explica Meirelles.

O resultado são receitas que cruzam ingredientes brasileiros — cupuaçu, cumaru, frutas nativas — com vinagre, gengibre e açúcares naturais, criando bebidas que entregam acidez, dulçor e picância no mesmo gole. “O grande lance do Kiro é intensidade e complexidade”, resume o fundador.

Desde o início, o foco foi em bares, restaurantes e cafeterias. “Chefs de cozinha e bartenders foram os grandes embaixadores. Eles entenderam muito bem a proposta de trabalho”, conta Meirelles. Para 2026, a empresa prevê dois lançamentos e acaba de introduzir um concentrado para que estabelecimentos criem suas próprias versões da bebida.

Beto Meirelles transformou uma banca de jornal em ponto de venda da Kiro
Beto Meirelles transformou uma banca de jornal em ponto de venda da Kiro

A categoria que precisa ser construída

Enquanto LUCIA e Kiro apostam em drinques prontos, a Easy Drinks trilha um caminho diferente: preparados de frutas, xaropes, espumas em spray e bases de clássicos da coquetelaria. Fundada em 2008 pelos irmãos Bruno e Fabrício Lot, a marca começou exportando preparados de frutas após Fabrício perceber, durante estudos na França, a demanda por produtos brasileiros.

“Desde o início, nossa proposta sempre foi desenvolver produtos que oferecessem liberdade de preparo ao consumidor”, explica a dupla. A diferença é crucial: não é um drinque pronto, mas a possibilidade de montar um mocktail em casa ou no bar com a mesma qualidade de bartenders profissionais.

A empresa cresceu 20% ao ano em vendas e hoje tem operação própria nos Estados Unidos. Mas reconhece o desafio educacional. “Não faz parte do hábito de consumo calcular o valor por dose ou a facilidade de não precisar comprar frutas, lavar, selecionar, cortar e adoçar para poder fazer um drinque”, pontuam os fundadores.

Para os irmãos Lot, a chegada de grandes marcas é bem-vinda. “Estamos capitaneando a construção da categoria de mixers no Brasil, algo super consolidado em outros países como os EUA. Ter mais players vai nos ajudar nessa construção”, diz.

Gastronomia sem anestesia

O mercado gastronômico foi fundamental para validar essas bebidas. Chefs e bartenders entenderam rapidamente que complexidade não é exclusividade do álcool. “As pessoas perceberam que elas podem ter uma experiência na mesa que seja deliciosa sem abrir mão da saúde”, observa Meirelles, da Kiro.

Na LUCIA, as fundadoras observam que os poucos lugares onde a marca está presente viraram casos de sucesso. “Recebemos mensagens de chefs e donos de restaurantes pedindo para incluir LUCIA no cardápio, muitas vezes antes mesmo de termos estrutura para expandir”, conta Victória.

A harmonização funciona tanto por semelhança quanto por contraste. No caso da LUCIA, o gengibre e o jambu criam picância que conversa com carnes braseadas e culinárias árabe, indiana ou mediterrânea. A acidez limpa o palato em pratos gordurosos, como faria um vinho branco.

O que une todas essas bebidas é a recusa de escolher entre saúde e prazer. “Durante muito tempo, indulgência e saúde estiveram distantes”, analisa Meirelles. “Acho que um dos grandes méritos de Kiro é unir saúde e indulgência. Faz bem e é gostoso”.

Já LUCIA trabalha com plantas adaptógenas que prometem despertar, não anestesiar. O ginseng aumenta dopamina e serotonina, a valeriana eleva GABA e promove relaxamento. “O álcool entorpece. Nós queríamos algo que despertasse e que reproduzisse a sociabilidade do álcool”, diz José Luiz Soares, em nota.

A proposta não é demonizar o álcool, mas oferecer alternativa real. “Queríamos que fosse companhia para quem busca mais equilíbrio, para quem não quer beber naquele dia ou para quem quer acordar bem no dia seguinte sem abrir mão de brindar”, resume Victória.

O mercado que se constrói gole a gole

O desafio agora é educacional. Fazer o consumidor entender que essas bebidas não são refrigerantes caros nem substitutos inferiores do álcool. São categorias próprias, com propósito e identidade.

A LUCIA planeja expandir para hotéis, restaurantes e distribuidores, além de novos lançamentos para 2026. A Kiro lança dois novos produtos no primeiro trimestre do ano que vem e aposta no concentrado para food service. A Easy Drinks mira crescimento internacional.

O movimento é global. Mercados como Estados Unidos e Reino Unido já crescem dois dígitos nessa categoria. No Brasil, a tendência ainda engatinha, mas ganha corpo rapidamente — impulsionada por mudanças no estilo de vida, preocupação com saúde e o desejo de não precisar escolher entre sair e acordar bem.

“Talvez seja a nova definição de luxo para uma geração que já entendeu que presença e saúde é o que mais importam”, define Victória.



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