O melhor peixe do mundo
Este menu é o melhor de hoje. Daqui. De agora.
As palavras que acompanham o cardápio a cada dia expressam com exatidão o que se pode esperar no Elkano, em Getaria, uma cidadezinha de 3 mil habitantes a 30km de San Sebastian, no País Basco Espanhol. Não sei se é o melhor restaurante de peixes do mundo, mas tenho certeza de que nunca comi um pescado tão espetacular em uma experiência tão fascinante – com o dono da casa à mesa “destrinchando” um rodovalho recém-pescado e levado da parrilla na calçada direto para o prato.
O restaurateur basco Aitor Arregi conduz a degustação completa de um peixe só. É uma aula de morfologia, em que vai mostrando as diferenças de textura, sabor, colágeno e gordura em pedaços localizados a poucos centímetros de distância uns dos outros no mesmo peixe chato, parente do linguado, capturado ali na baía de Biscaia, com aproximadamente dois quilos. É impressionante! Uma degustação memorável, que não perde a graça, o sabor e nem a magia, mesmo na terceira visita, como fiz recentemente. Ao contrário, só convida a voltar.
O peixe inteiro, saborosíssimo e com frescor ímpar, encerra a refeição de forma magistral. Porém tudo é fascinante nesse restaurante fundado em 1964 pelo pai de Aitor, Pedro, como um boteco simples com parrilla na calçada – aos costumes do País Basco Espanhol (leia ao lado). Os peixes e frutos do mar são coletados por ali, no ponto mais ao sul do Golfo de Biscaia, no mar Cantábrico, por pescadores artesanais, que respeitam os ciclos biológicos das espécies.
As lagostas e bogavantes são mantidos em viveiros instalados no subsolo do restaurante, abastecidos por água do mar que chega por canos subterrâneos. Abatidos na hora, compõem um dos pontos altos do menu de nove etapas, que varia conforme o dia e custa R$ 195 por pessoa. Lagosta e bogavante são servidos juntos, no mesmo prato, apenas cozidos: a lagosta, avermelhada, com patas finas e longas antenas, tem a textura e o sabor mais delicados que o bogavante, azulado, com duas grandes pinças dianteiras, carne mais firme e sabor mais intenso. Por cima, tomate ralado. Ao lado, o coral da lagosta e uma colher de caviar. A carcaça chega em seguida, aberta e com as ovas.
Peixe fresco, literalmente
Do início ao fim, o almoço no dia 8 de outubro foi um espetáculo de frescor e sabores notáveis – o mesmo que se repete nos outros dias do ano, com o que houver de melhor a cada dia. O pai de Aitor, fundador do Elkano, dizia que o segredo está em comprar bem e não estragar. A cozinha comandada por Aitor vai muito além disso, é cuidada nos mínimos detalhes, sabe tirar o melhor de cada peixe, crustáceo ou vegetal; e a parrilla instalada na calçada na entrada do restaurante é operada com precisão, alturas e tempos regulados conforme o pescado.
A degustação começou com tartare de bonito, o atum branco marinado com vinagrete, tomates de Getaria e lubina (robalo) defumada. Em seguida, kokotxas de merluza, a papada do peixe (ou bacalhau, dependendo do lugar), considerada uma iguaria, vêm em três preparos distintos: pincelada com ovos e frita; assada na parrilla e a pil-pil, a maneira mais tradicional, uma emulsão do colágeno do peixe com azeite e salsinha, realmente espetacular, que faz fechar os olhos e querer guardar aquele sabor na memória.
Um peixe, várias texturas e sabores
Em plena temporada de cogumelos, eles foram servidos na mesma tigelinha: boletus, chanterelle e trompetas de la muerte. São assados na parrilla e misturados com gema quase crua antes de ir para a mesa, à moda basca.
O maior espetáculo no Elkano, entretanto, é a chegada do rodovalho inteiro, grelhado apenas com sal, azeite e um toque de acidez (uma marinada que eles chamam de água de Lourdes). Enquanto vai destrinchando o pescado com um garfo, uma colher e a habilidade de quem faz isso várias vezes, todos os dias, há anos, Aitor explica que o peixe deve ser visto da mesma maneira que o boi, com diferentes cortes, cada um com sua textura e sabor. Ele mostra os dois lados, um com a pele escura e o outro, com a clara, ressalta que ambas são grelhadas igualmente, porém cada uma com resultado distinto: a escura não carameliza e a camada de carne perto dela é mais grossa, enquanto embaixo da pele clara está a carne mais fina e a pele carameliza, conferindo outro sabor. Com cuidado, Aitor retira as duas camadas, a de carne próxima da pele clara, depois, a de pele escura. Afasta-se da mesa, oferecendo uma pausa para a degustação, e avisa: num almoço em família, essas são as partes reservadas para as crianças, mais carnudas e menos saborosas.
É impressionante como pedaços do mesmo peixe podem ter sabor e untuosidade diferentes. Aitor volta à mesa e prossegue a apresentação, tira a carne das laterais, mais gordurosa, e separa os espinhos. “É a parte do pai e da mãe.” O melhor pedaço, reservado aos avós, último a ser retirado, é aquele que fica perto da cabeça. Uma prova sem igual.
Quando Aitor não está, a degustação é conduzida pela equipe de sala. Serviço impecável, carta de vinhos notável, com rótulos espanhóis e de outras regiões vinícolas importantes, o Elkano tem uma estrela Michelin e ocupa o 24º lugar na lista dos 50 Melhores Restaurantes do Mundo de 2025. Ah, você pode pedir à la carte, mas seria uma pena…
Para fazer a digestão, enquanto espera o táxi (que precisa ser reservado para voltar a San Sebastian), dê uma passeada pela cidadezinha fundada em 1209, que mantém as ruazinhas estreitas com calçamento de pedra, com lojas de produtos locais e parrillas na rua, na mais autêntica tradição basca. Na hora do almoço, a cidade cheira a fumaça. Se tiver mais tempo, visite o belíssimo museu do estilista Balenciaga (1895-1972), em frente ao restaurante. O famoso costureiro nasceu ali, porém o filho mais célebre de Getaria não é ele, e sim o navegador Juan Sebastian Elkano, nascido em 1476, o primeiro a fazer a circunavegação do globo, que inspirou o nome do restaurante.
Reservas: restauranteelkano.com
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