Do El Bulli à Guatemala: Como a chef Misha honra a gastronomia local

A culpa não é sua se nunca ouviu falar na cena gastronômica da Guatemala, país que sediou o Latin America’s 50 Best Restaurants nesta semana. Por sorte, há gente como Mirciny “Misha” Moliviatis para explicar. “Se você não tem uma filosofia, não tem nada, porque a filosofia é a identidade de um cozinheiro”, dispara. Grande nome da cozinha guatemalteca, a chef de origem grega não fala nada da boca para fora.

Andar com Misha pelas ruas de Antigua, antiga capital da Guatemala, é parar o tempo todo para fotos, agradecimentos, elogios. Ela não escapa nem na madrugada, quando depois de uma festa busca um taco fast-food para se recuperar!

Pudera, a cozinheira de olhos de azul penetrante é uma celebridade. Estreou na televisão, em 2008, com “El Sabor de mi Tierra”, programa de resgate gastronômico que percorreu diferentes regiões em busca de receitas tradicionais, ingredientes locais e guardiões da culinária ancestral. Depois vieram muitos outros, transmitidos em grande parte da América Latina.

Misha tem o dom de comunicar com facilidade, de investigar com profundidade, de entender a cozinha. Esse último talento corre no sangue. Desde pequena tinha a avó divertindo-se à beira do fogão. Adolescente acompanhou o pai grego de pertinho na abertura do 7 Caldos. Na época era só um restaurante na Cidade da Guatemala. Hoje é uma rede liderada por ela.

Chef Mirciny Moliviatis
Chef Mirciny Moliviatis

Depois de anos na Espanha, em restaurantes lendários como Arzak e El Bulli, a chef tinha um monte de estrelados pela frente, mas não hesitou: “Sou muito apegada à minha família. Quando saí do El Bulli, sabia que tinha que voltar para a Guatemala. Como eu não iria triunfar no meu país?”.

Na altura, comecinho dos anos 2000, prometeu ao mentor Ferrán Adrià que faria algo com a gastronomia guatemalteca – e como se nota, cumpriu a palavra. Além dos mais de 10 restaurantes, comanda o bufê Be Catering, onde faz “alta cozinha com essência”, e é autora de livros.

Neste ano, aliás, ganhou o prêmio de “Melhor Livro Culinário do Mundo” no Gourmand World Cookbook Awards com “Música y Cocina”, obra que concilia receitas suas com trilha sonora da cantora e compositora guatemalteca Gaby Moreno, que “transforma comida e som em uma experiência completa e criativa, celebrando sabores e emoções”.

Dá vontade de ficar listando as coisas que esse mulherão faz, caso da Cena de las Estrellas, jantar que reúne chefs (gente como Ana Ros, Joan Roca, Andoni Luis Aduriz e Albert Adrià) para financiar bolsas de estudo a jovens que desejam seguir carreira na gastronomia. Só não dá para deixar passar o que sucede à mesa da varanda de sua casa em Antigua.

A cozinha do 7 Caldos: Tradição guatemalteca em cada prato

Como em toda “Guate”, recado por lá não é só mensagem, é um molho ou pasta, uma mistura de temperos que dá alma aos pratos tradicionais. Um pouco como o mole, pode conter pimentas secas, sementes, especiarias e até chocolate.

“Para mim, o recado é muito mais que um processo. É identidade pura. É a memória afetiva dos guatemaltecos em cada aroma, em cada ingrediente, em cada bocado. É o elo que conecta com a tradição da terra e, por isso, prepará- lo é um ato de honra e de coração”, define Misha.

Não à toa, o recado é deixado em boa parte das receitas: no Pepián, ensopado espesso de carnes e legumes, confere cor avermelhada intensa e toque picante; aparece esverdeado e perfumado no Jocón, sob o tamal; o Kak’ik, caldo de aves (em geral peru, galinha ou galo) traz uma versão negra que remete às tradições maias.

Pratos servidos no restaurante 7 Caldos
Pratos servidos no restaurante 7 Caldos

Por fim, no Suban’ik homenageia o ritual feminino familiar de limpar e cortar folhas de bananeira que abrigarão o tal molho com cozido de frango e porco. Como uma roupa de festa, ganha um laço em traças de palha de milho e adereços especiais como arroz fresquinho e fatias de abacate.

Na sobremesa, curiosamente, vem o Mole. Escondido dentro de bonecas de cerâmica artesanal, alia bananadaterra frita e uma “salsa” de chocolate com especiarias (como canela) e sementes (como gergelim).

Embaixadora gastronômica do país, Misha reflete: “Há 16 anos sigo percorrendo e saboreando a Guatemala, porque não há inovação sem respeito e conhecimento”. Tampouco há aula de história da culinária guatemalteca mais gostosa do que essa. Anote aí: um menu generosíssimo com bebidas não costuma superar US$ 50 por pessoa.

7 Caldos

3ª Calle Oriente 24, Antigua Guatemala, Guatemala. Todos os dias das 08h às 23h. Mais informações: https://ift.tt/4Qkcpu9



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